ALENBIO

O blogue da cultura e das culturas. Da cultura de quem vive e sente o pulsar da Terra. E das culturas que vivificam a terra e o sonho de quem de afectos a semeia para depois, ternamente, lhe pedir o fruto.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

BRINDANDO AO ANO NOVO

Para os nossos amigos ausentes uma taça de

ROSÉ

Caminho
no gosto do vinho
que bebo.
E as rosas onde estão?
Bebo
no vinho o caminho
que danço.
E as rosas onde estão?
Danço
no caminho o vinho
que gosto.
E as rosas onde estão?
Bebo-as
na dança...
no caminho...
no gosto do vinho...

M.M.Cruz


E algumas palavras sobre a AMIZADE (que tornámos nossas)

[...] Ando à procura de amigos. Que significa cativar?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. Significa criar laços.
- Criar laços?
- Isso mesmo - disse a raposa. Para mim não passas, por enquanto, de um rapazinho em tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu não precisas de mim. Para ti não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti... [...]
- Levo uma vida monótona. Eu caço galinhas e os homens caçam-me a mim. Todas as galinhas são iguais e todos os homens são iguais. Por isso me aborreço um pouco. Mas, se tu me cativares, será como se o Sol iluminasse a minha vida. Distinguirei, de todos os passos, um novo ruído de passos. Os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus hão-de atrair-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Vês lá adiante os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E é triste. Mas os teus cabelos são cor de oiro. Por isso, quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. Como o trigo é doirado, fará lembrar-me de ti. E hei-de amar o barulho do vento através do trigo...
A raposa calou-se e olhou por muito tempo para o principezinho.
- Cativa-me, por favor - disse ela.
- Tenho muito gosto - respondeu o principezinho - mas falta-me tempo. Preciso de descobrir amigos e conhecer muitas coisas.
- Só se conhecem as coisas que se cativam - disse a raposa. [...] Se queres um amigo, cativa-me.
- Como é que hei-de fazer? - perguntou o principezinho.
- Tens de ter muita paciência - respondeu a raposa. Primeiro, sentas-te um pouco afastado de mim, assim, na relva. Eu olho para ti pelo rabinho do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, podes sentar-te cada vez mais perto...
No dia seguinte, o principezinho voltou.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro da tarde, às três já eu começo a ser feliz. [...] Mas se vieres a uma hora qualquer, nunca posso saber a que horas hei-de vestir o meu coração... São precisos ritos.
- O que é um rito? - perguntou o principezinho.
- [...] É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora diferente das outras horas. [...]
Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando se aproximou a hora da partida:
- Ah! - disse a raposa. Vou chorar...
- A culpa é tua - disse o principezinho, não queria que te acontecesse mal, mas quiseste que te cativasse...
- É certo - disse a raposa.
- Então não ganhas nada com isso!
- Ganho sim - disse a raposa - por causa da cor do trigo. [...]
- Adeus - disse ele.
- Adeus - disse a raposa. Vou dizer-te o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

in O Principezinho

quarta-feira, dezembro 28, 2005

PÔR-DE-SOL

Não sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ser uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?


(...)
Não sei o que é a Natureza: canto-a.
Vivo no cimo dum outeiro
Numa casa caiada e sozinha,
E essa é a minha definição.



Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.

Alberto Caeiro

terça-feira, dezembro 27, 2005

INTELIGÊNCIA

Por me parecer que atravessamos tempos de escassez da dita (embora haja por aí muita esperteza, o que não é, de modo nenhum, a mesma coisa), aqui vão duas pequenas histórias a propósito.


Um génio libertado diz ao pescador que o libertou:
- Formula três desejos que eu os executarei. Qual é o teu primeiro desejo?
- Quero que me tornes suficientemente inteligente para que possa escolher na perfeição os dois desejos seguintes.
- Concedido - disse o génio. E agora, quais são os teus outros desejos?
O pescador reflectiu por um momento e respondeu:
- Obrigado. Não tenho mais desejos.

in Tertúlia de Mentirosos


- Bom dia - disse o principezinho.
- Bom dia - disse o comerciante.
Era um comerciante de pílulas aperfeiçoadas para acalmar a sede. Engolindo uma por semana não havia necessidade de beber.
- Porque vendes tu isso? - perguntou o principezinho.
- É uma grande economia de tempo. Os cálculos foram feitos por peritos. Poupam-se cinquenta e três minutos por semana.
- E o que se faz desses cinquenta e três minutos?
- Faz-se o que se quiser...
"Eu, disse o principezinho para consigo, se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, o que fazia era dirigir-me devagarinho para uma fonte..."

in O Principezinho

Exercise