ALENBIO

O blogue da cultura e das culturas. Da cultura de quem vive e sente o pulsar da Terra. E das culturas que vivificam a terra e o sonho de quem de afectos a semeia para depois, ternamente, lhe pedir o fruto.

quinta-feira, outubro 27, 2005

A Violação da Terra

"O homem, sobre o assento de aço, já não parecia um homem. Mãos cobertas, óculos de protecção, máscara de borracha sobre o nariz e a boca, fazia já parte da máquina, um robot aos comandos do tractor.
O estampido dos cilindros ecoava pelos campos, inseparável do ar e da terra que com eles vibravam em uníssono. (...)
O homem talvez admirasse o tractor; aquelas chapas metálicas exteriores, a potência impetuosa, o rugido do motor. Mas o tractor não lhe pertencia.
Atrás da máquina vêm os discos que cortam o solo em fatias. Já não lavram, fazem uma cirurgia, a primeira fila de discos empurra a terra cortada para a direita, para que a segunda a corte de novo e empurre para a esquerda.
São lâminas brilhantes, polidas pela própria terra que vão cortando. Atrás dos discos vem a grade, desfazendo os torrões mais pequenos, penteando a terra com dentes de aço, tornando-a mais branda. E mais atrás vêm então os tubos de inseminação, doze pénis em aço, recurvados numa erecção metalúrgica, em orgasmos mecânicos, violando a terra metodicamente, sem desejo.
O tractorista sentado no seu assento metálico, orgulhoso das linhas rectas que não era ele a traçar, orgulhoso do tractor que não lhe pertencia, orgulhoso da potência que não podia controlar. E quando aquela seara cresceu e depois foi ceifada, ninguém tinha chegado a pegar num torrão húmido com as mãos para o desfazer e deixar escorregar a terra por entre os dedos.
Nenhuma mão humana havia tocado na semente, ninguém tinha chegado a amar a terra.
Os homens comiam aquilo que não tinham sido eles a fazer crescer.
Nenhuma ligação entre eles e o pão que levavam à boca.
A terra dava à luz sob o jugo do aço, e sob o jugo do aço ia morrendo aos poucos."

John Steinbeck
As Vinhas da Ira

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